PARA CONHECER O BRASIL REAL
Esta nova publicação de André Albuquerque é, antes de tudo, uma grande audácia. Escrevo no momento em que o Brasil passa por uma reviravolta política, com a ascensão de um candidato de extrema-direita ao principal cargo público do país. Entre os termos utilizados por esse personagem está o neologismo "coitadismo". É como ele se refere àqueles que propõe as açõess afirmativas, como, por exemplo, as cotas para negros em universidades públicas. Pois bem, justamente neste ponto entra a contribuição de Andre. Ele desvelou as práticas escravistas, racistas e etnocêntricas que permearam a história do Brasil desde sempre. Seu livro é um chamado à reflexão e, ao mesmo tempo, um eloquente discurso em defesa dos "povos de cor", como ele mesmo diz. Não há vitimismos, o que há são vítimas. A brutal desigualdade social em nosso país - na qual está inserida a desigualdade racial - foi resultado de um sistema destinado a produzir desigualdades mesmo. Não se trata de um país fracassado em sua construção. Trata-se, ao contrário, da implementação consciente de um país injusto, perverso, racista e, acima de tudo, com um terrível preconceito de classe.
Com vasto conhecimento de história do Brasil e da importância do povo negro nesta construção, André teve a generosidade de compartilhar isso conosco.
Clayton Avelar - Historiador
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A atual espécie humana nasceu na África, com pele negra e várias características físicas e fisionômicas perfeitamente adaptadas às condições ambientais naquela região e época, centenas de milhares de anos atrás. Já apareceu bastante evoluída e inteligentíssima e observadora de tudo: chãos e caminhos e plantas e folhas e frutas e sementes e raízes e bichos da terra e de sob a terra e também das águas e dos céus e coisas do céu como chuvas e sol e luas e noites com estrelas que mudavam, outras não. Gerações registraram em desenhos e em canções as variações do mar.Sim: eles atravessaram oceanos: o crânio de “Luzia” (que felizmente sobreviveu ao incêndio do nosso museu) e as esculturas olmecas apontam a presença direta africana na América pré-colombiana.Imaginei rotas através do Atlântico, ventos e ilhas e correntes que levavam e traziam vestígios do lado de lá: esse é o menino/homem/velho coberto de penas e búzios e sementes e coisas achadas na faixa de conchas. Pequenos gravetos de plantas específicas marcados com traços queimados e soltos como cartas nas praias. Homenageei Erasto e Naná Vasconcelos, mestres que traduziram em música esse poema escrito pelas ondas. Imaginei também o quilombo das mulheres, uma visão desse espírito de luta da mulher negra, heroínas secretas: Marielle Franco e tantas e tantas e são muitas. O mundo será delas um dia e então haverá paz e evolução.
A música negra é pura resistência, sua beleza é verdadeira e orgânica, toda feita da fusão mais harmônica entre mente e corpo.
Quando André me convidou pra ilustrar esse livro, uma história com tantos momentos de tragédia e crueldade, eu não queria desenhar escravos e pelourinhos nem navios negreiros, nem o genocídio dos jovens negros pobres, imagens que só trazem tristeza e raiva e dor e vergonha: pedi, e ele concordou, toda liberdade poética para criar imagens que trouxessem elementos e sugestões positivas para a identidade e afirmação da Negritude em nossa sociedade.
A única ilustração onde deixei a doçura de fora é a do menino sendo revistado pela polícia, seu penteado não imita o chefe do crime, mas o sonho do jogador de futebol, e essas são as únicas identidades oferecidas a ele pelo sistema. Mergulhem no olhar desses meninos. Gostaria que esse livro chegasse até eles.
Paulo do Amparo - Illustrator
eBook | BRASIL PRETO - Uma Perspectiva Oprimida
- Publicado em 12/12/2018
- ISBN: 9788588860865
- Idioma: PORTUGUÊS
- Páginas: 100
- Formato: ePub
- Tamanho: 5,5 MB